segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

Fazer amigos é uma grande chatice

quando somos obrigados a tal.

Às vezes não me apetece. Meter conversa de circunstância, falar com pessoas que daí a uma semana poderão não me dizer nada, mostrar os dentes sem especial vontade. Processo repetitivo, maçador e nem sempre bem-sucedido.

O que acabei de dizer é um contra-senso para quem está a viver uma experiência como esta. Gosto de conviver, partilhar experiências, conhecer mundo, mas o caminho até lá chegar pode revelar-se desgastante e solitário.

Às vezes, só vos queria ter por aqui. Nem que fossem uns minutos. Para afagar a alma, para dizer uma piada parva espontaneamente sem necessidade de legendas, para estar calada, para comer uma panqueca quente enquanto me rio que nem louca de histórias que não interessam a ninguém.

Hoje sinto-me assim. Amanhã passa.

Florença não é amiga

Nestas bandas, coisas simples como navegar na Internet ou trabalhar num café são um verdadeiro desafio.

Depois de ter gasto 50 euros numa pen da Wind (a Optimus aqui do sítio) cheguei a casa com a ânsia de quem andava há uma semana a ressacar. A hipótese de poder abrir o email, os sites dos meus jornais e blogues preferidos, de saber das novidades de todos os “amigos” do Facebook, quase me fez espumar da boca.

Aguentei a pressão e com as mãos meio trémulas liguei tudo como mandavam as instruções. Digitei a password e esperei… 2,5,10,15,20 minutos. Nada. Passei a noite hipnotizada com a luzinha vermelha da minha pen, esperançosa que como por milagre o verde se apoderasse dela.

O pior aconteceu no dia seguinte, quando fui à loja onde paguei para me tornar info-incluída e o italiano arrogante que me tinha atendido da primeira vez me alertou para o óbvio: Em Florença, há redes que funcionam bem em determinadas zonas da cidade e mal noutras “Se não dá em sua casa, não posso fazer nada. Comprou a pen, tem de ficar com ela.”

Pois claro, saber que no centro de uma cidade cosmopolita operadoras de telecomunicação nacionais não têm boa cobertura parece-me algo intuitivo.” E avisar antes de ter comprado, que no meu país não é nada assim?” “Ah, devia ter-se informado antes”, respondeu-me com a sobrancelha levantada. Itália está na Idade da Pedra no que à rede e velocidade da Internet diz respeito. Como se não bastasse, depois de várias cruzadas, só encontrei ainda um café onde pudesse ligar o portátil à ficha.

Ou seja, além de ter de sair à rua e enfrentar 0 graus sempre que quiser ver o email, o risco de não encontrar nenhum sítio onde possa conviver alegremente com o meu computador é bastante elevado. Se na minha casa não funciona mesmo? Funciona, mais ou menos a partir das 22 horas com o portátil em cima de um banco que por sua vez está em cima da mesa da cozinha a desafiar a gravidade.

Haja alguma coisa boa em ter sido obrigada a mudar de poiso.

domingo, 27 de fevereiro de 2011

O "coperto"

Passei a tarde num café a trabalhar. A partir das sete, montaram uma mesa tipo buffet, cheia de iguarias apetitosas. Achei estranho quase todos os clientes se terem atirado às batatas fritas, ao pão, aos vegetais salteados e às massas várias disponíveis. Invejei-os e pensei que no próximo mês, quando estivesse monetariamente menos arruinada, teria de ir ali provar tudo.

Quando saí, depois de já ter pago, reparei que tinham colocado 1€50 a mais na conta. A descrição dizia que a culpa era do coperto, que pensei ser algum serviço pago à parte. Não satisfeita, quando cheguei a casa escrevi coperto no google. Tristemente fiquei a saber que correspondia à palavra couvert em francês e que muitos restaurantes italianos o ofereciam aos seus clientes por uma quantia irrisória. Uns melhores, outros piores, dependia muito. Aquele era perfeito, segundo as várias descrições que li.

Tive vontade de voltar para trás e comer até ficar empanturrada. Por vergonha, contentei-me com os restos do almoço: peito de frango (que pensava ser lombo antes de ter ido para a panela) com esparguete e molho de tomate. Quase o mesmo.

Cuidado japinhas*, eu tenho uma "bici"

Alertaram-me que em Florença toda a gente anda de bicicleta, para me preparar porque também teria de arranjar uma. Eu, que nunca fui dada ao desporto em geral e ao ciclismo em particular, abanava a cabeça e dizia que sim com pouca fé. Até perceber que a bici se tornaria o meu Toyota. Que a poderia levar para fazer compras, ir ao cinema ou chegar ao trabalho sem ameaçar a estrutura óssea do meu nariz.

Nas ruas, há mais bicicletas do que carros. Quase todas com um cestinho, para transportar a mala e os sacos, ou um lugar extra de plástico, donde os bebés e crianças observam a vida da cidade, sentem o vento na cara e se movimentam sem esforçar as pernocas roliças. Qual flâneur.

“Já sabes como vais arranjar a tua?”, perguntou-me uma amiga quando finalmente me mentalizei que poderia ser boa ideia tentar equilibrar-me em cima de duas rodas. “Vou a uma loja que as venda em segunda mão”, respondi. “Mas estás maluca? Aqui toda a gente rouba as suas bicicletas. Junta-se um grupo na Piazza Santa Croce e com uma tesoura de cortar ferros arranca-se os cadeados das que estão estacionadas. Depois, só tens de pintá-la de uma cor diferente para o dono não a reconhecer. Logo na primeira semana aqui, fui parar à esquadra mas a polícia acabou por me dar a bicicleta que tinha escolhido”.

Mariquinhas que só eu, a conjugação “roubar” com “polícia” não me deixou equacionar a hipótese mais de cinco minutos. Acabei por não fazer muito melhor. Paguei 45 euros a um homem que desconfio que as rouba durante a noite, pinta-as e vende-as numa garagem sem licença. Pelo menos foi ele, não eu. Nada de escrúpulos, medo puro.

Quando vi a minha bicicleta pela primeira vez, olhei-a com desconfiança. Vi se chegava com os pés ao chão, se os travões funcionavam e se a buzina tocava alto o suficiente para não matar ninguém. Comprei-lhe dois cadeados não fosse passar a gostar dela e me dar jeito que não a roubassem.

Até agora, pratico condução de alto risco. A minha roda da frente já ficou a milímetros do salto do sapato caro de uma italiana, já fiz uma travagem que pôs os monhés que vendiam na rua com as mãos na cabeça e ia sendo atropelada por um taxista.

Acho que depois disto, só posso melhorar. Agora que me apaixonei pela minha bicicleta verde-garrafa, já não quero ouvir falar em andar a pé. Gosto de ser igual a toda a gente, de trazer os ovos e o peixe no meu cestinho, de prender o cadeado no estacionamento, de apitar aos turistas, tal como fazem os florentinos aos que não se desviam nas ruas da sua cidade. Agora que tenho uma bici, sinto que a cidade também é minha.

Diz quem já conduz esta coisa há mais tempo que o maior desafio é não passar a ferro os japoneses. Sempre distraídos, sempre a querer tirar uma fotografia com os braços no ar junto aos monumentos mais emblemáticos.

Cuidado japinhas, eu tenho uma bicicleta que domino muito mal. Desculpem lá qualquer coisinha mas, se acontecer, não foi com intenção.

*Palavra roubada do português do Brasil

quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

Bye, Bye, culo flacido

Depois do caso Ruby, as italianas revoltaram-se e pedem a queda de Berlusconi. Dizem que os escândalos sexuais em que o primeiro-ministro esteve (está?) envolvido estão a projectar uma “imagem indecente” da mulher italiana no mundo. Os protestos aconteceram Domingo, dia 13. Foram mais de um milhão de manifestantes que saíram às ruas das principais cidades.

Estava em Pisa e nunca pensei ver esta gente tão aguerrida. A insólita banda sonora, destaco In the Navy dos Village People, foi algumas vezes interrompida pelo som do megafone: “Se os egípcios têm força para ir para a rua, se têm força para lutar, nós também teremos. Faremos como eles”. Nessa altura, tive um bocadinho de medo.











Fotografias de Ricardo Lopes

A saga do apartamento

A história que aqui vou contar poderia ser uma ficção trágico cómica. Mas é verdade e melhor, segundo soube há cerca de dez minutos, o final poderá ser mais emocionante do que o esperado.

Quando cheguei a Florença, a prioridade foi arranjar um apartamento que não me obrigasse a ir todos os Domingos pedir à porta da igreja. Por aqui, quem aluga casa através de uma agência é obrigado a pagar-lhe um mês de renda. Achei ridículo, disse logo que de mim “aqueles chulos” não levariam um tusto. Passou-se o primeiro dia e nada de anúncios nas janelas, nada de papéis a dizer ‘Aluga-se’ com letras garrafais nas cantinas e universidades. O saldo depois de 9 horas a andar para trás e para a frente foi um quarto de 20 m2 completamente vazio onde, a um canto, havia um estrado com um colchão. Se ali ficasse iria ter todos os dias o ar de abandono do cão da Scotex.

Bastaram 24 horas para perceber logo que sem agência não me safava. Armada em espevita, assinei contrato com uma empresa que não me levava um mês de renda mas à qual teria de pagar 190 euros apenas para me darem os números de telefone de alguns senhorios, com os quais me caberia estabelecer contacto. Fiquei azul quando, depois de ter passado o meu cartãozinho amarelo na máquina que tira euros, percebi que tinham apenas quatro opções dentro das minhas exigências cujos dados couberam numa folha do meu bloco A6.
Fazer com que compreendessem o meu italiano arranhado foi outra aventura mas feitos os penosos telefonemas, consegui UMA casa para ir ver. Toma lá que é para não seres esperta, 190 euros para o lixo e nem casa nem dinheiro. Mas tive sorte (ou azar), foi à primeira.

Quando entrei no número 18 da Via Fiesolana, a poucas ruas do Duomo, era quase noite e a luz baixa que iluminava o monolocal com cerca de 15 m2 fez com que quase tudo (se esquecermos o cheiro) me parecesse perfeito: um rés-do-chão no Bairro Alto aqui do sítio com móveis gigantes para os meus vestidos e sapatos, um sofá cama, cozinha e casa de banho. Básico. Amor à primeira vista.

Ainda tentei a piadinha de pedir um desconto ao senhorio. Levei um não redondo e o pré-aviso: “E só entra na casa depois de me pagar o primeiro mês e dar 1100 euros de depósito”. Foram dois dias para conseguir levantar tanto dinheiro que o multibanco aqui não é tão amigo como em Portugal. Mais 48 horas num hostel com um dono maníaco por arrumações que nos fazia levantar todos os dias antes das 10 para limpar tudo de fio a pavio.

E agora que já apresentei a trama, vou tentar ser mais breve. Quando entrei na casa que, a luz baixa, me pareceu maravilhosa cheirava a sujo, a podre e a mofo. Havia gordura por todo o lado, o sofá cama estava partido e atirou-me ao chão na primeira tentativa de me deitar. A máquina de lavar não funcionava e a casa de banho estava tão sebosa que a única solução era ir ao café quando precisava de uma sanita.

Para conseguir dormir, meti as luvas e limpei o sofá na primeira noite. Tentei tocar no mínimo que conseguia e dormir sem pausas até ao dia seguinte. O dia em que a D. Antonella chegaria para limpar tudo depois de eu ter insistido com o senhorio ser impossível viver numa casa tutta sporca (adoro a palavra).

Primeiro fez um ar enojado e depois deitou mãos à obra. A D. Antonella revelou-se uma mulher de armas. Deixou os móveis da cozinha, a sanita e o polibã, que pensei nunca mais perderem o tom amarelado, a brilhar. Ainda ligou ao meu senhorio a dizer que era impossível alguém viver numa casa assim, que não se fazia tal coisa a estrangeiros. Quando ele lhe perguntou quanto tempo levava a terminar - porque 6 horas já começava a ser tempo a mais - respondeu-lhe: “Se não estivesse aqui a falar consigo, já teria terminado”.

Depois dessa longa jornada, em que para despachar a coisa tentei limpar o que me parecia mais fácil - candeeiros, janelas e mesa da cozinha -, a casa estava finalmente quase pronta. Só faltava o senhorio vir no Domingo para comprar um sofá e televisão novos, arranjar a máquina e assinarmos o contrato.

O resto da semana foi passado a tornar quatro paredes inóspitas num ninho acolhedor. Panelas, tupperwares, fruteira, tapetes, edredão, copos, talheres, flores. E digo-vos, ficou linda a minha casa. Quando o Gino e a Kátia cá entraram e nos convidaram para irmos até ao IKEA escolher com eles o que faltava, fiquei em êxtase. Só tinha que esperar que ela lesse o contrato e que um jovem, que queria alugar a casa em Setembro, visse o espaço para irmos às compras.

E foi depois disto, depois daquilo que se chama ter um galo do caraças, que o meu sonho caiu como jogo de dominó. Estava já de caneta na mão para assinar a papelada quando o Gino, um homem grande que desde o primeiro minuto me fez lembrar o Tarzan, entra aos pulos dentro da casa que eu tinha tratado como um filho a dizer que já não ia haver contrato nenhum. A dizer que o jovem que tinha vindo ver a casa com a avó queria comprá-la e nós seríamos obrigados a sair até ao fim do mês.

Assisti a tudo. Fiquei sentada no sofá ainda partido a ouvir o contrato de compra e venda entre os meus pseudo senhorios e aquela velha gaiteira (desculpem a expressão mas era mesmo). Passou-lhes um cheque de 50 mil euros e o restante seria dado no acto da escritura. Senti-me uma mãe de acolhimento. Que tratou, mimou, poliu, e perdeu tudo exactamente por isso.

Ainda não me recompus do choque porque a cena pareceu-me de filme. É claro que nos três dias que passaram já comecei a ver casas. Quando finalmente encontrei uma, tocou o meu telemóvel. A minha senhoria. “Sofia, afinal podem ficar até ao final de Abril. Não vos arranjo nada mas cobro-vos metade do preço”. O negócio tinha atrasado.

À primeira, a proposta pareceu-me tentadora mas depois de ter dormido mais uma noite sobre ripas partidas e a dor de costas começar a roçar o insuportável decidi que a casa que acolhi como minha terá de deixar de o ser.

Pelo menos é o que penso agora. Sabe-se se lá se o meu telefone não vai tocar daqui a um minuto e o negócio da venda insólita nunca se chega a concretizar. E se isso acontecer, fico ou não com a casa? Seja como for, estou a fazer figas para que tudo corra mal.

segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

Como se vai andando nas terras do Berlu

Cortar a fita a um blogue é comparável a escrever numa página em branco. Estou há dias a ganhar coragem, foi hoje. Faz uma semana que cheguei a Itália. Que me atirei dezenas de vezes para cima de uma mala de 30 quilos com esperança que minguasse, que fiz listas infindáveis de coisas imprescindíveis - que agora vejo ser supérfluas - que me enchi de expectativa, medo, alegria, medo, emoção. Que deixei a minha mãe lavada em lágrimas no Aeroporto da Portela. Que enchi o peito com o pouco ar que me restava para deixar escapar um até breve agridoce.

Mas isso foi há muito, muito tempo. Só passou uma semana mas parece que já lá vão meses. Já não digo Bounasera quando vou ao café a seguir ao almoço, não chamo lattuga (couve) à insalata (alface) e aprendi a distinguir quais são os espinafres entre as dezenas de legumes verdes à venda no supermercado. Dormi em hostels, limpei uma casa sebosa – com cerca de um centímetro de gordura - e transformei-a num ninho perfeito. Perdi essa mesma casa minutos antes de assinar o contrato de arrendamento e agora estou de novo na rua.

Fui a Roma ver o Panteão e o Museu de Arte do Século XXI, passei em Pisa e admirei a torre torta, entrei no Duomo de Firenze e olhei para a cúpula de Brunelleschi sem perceber muito da coisa.

Senti pela primeira vez o que era realmente a entropia. O que era estar a ser enganado, ter consciência disso, e não poder fazer nada porque não me entendiam, ou não queriam entender.

As peripécias são muitas, impossíveis de resumir num só texto. Espero conseguir contá-las aqui, uma a uma. É só a memória não me falhar.