sexta-feira, 27 de maio de 2011

Puzzare

É como se diz cheirar em italiano. Vá-se lá saber porquê, sempre que ouço a palavra, desmancho-me a rir. Io puzzo, tu puzzi, lui puzza...

O meu dia começou assim

Fui ao bar do meu bairro beber um café e comer um croissant de chocolate. Qual malabarista, equilibrei a revista do La Reppublica, o pires do café e o prato com o bolo até à mesa da esplanada solarenga.

Mal me sentei, um pássaro bebé começou a rondar os meus pertences. Enquanto o enxotava, mandei também um safanão no café que banhou mesa e cadeiras. Fui a correr buscar guardanapos para fazer uma “operação mãos limpas” e, quando voltei, tinha o cabrão do pássaro a lambuzar-se de massa folhada e creme de chocolate.

Conclusão: Em Itália, até os pássaros são mafiosos.

quarta-feira, 25 de maio de 2011

Declaração de amor matinal

Hoje saí de casa cedo para ir trabalhar, deixei-o a dormir tranquilamente, indiferente à quantidade de pequenas coisas que havia para fazer lá por casa.

A meio da manhã, resolvi demonstrar-lhe o quanto gosto dele e enviei-lhe este email. Agora estou aqui em pulgas para chegar a casa e ver a capacidade que o amor tem para transformar tudo. Vá lá, não me desiludas.

“Só para saberes que gosto muito, muito de ti! Os teus olhinhos em bico, o teu cabelo, os teus beijinhos... Quando fazes a cama, lavas a loiça e varres o chão, aí, tenho a certeza que és o tal. Queres ser o tal sem margem para dúvidas? Um grande beijinho”

segunda-feira, 23 de maio de 2011

A inolvidável experiência de uma ida à discoteca

É mais ou menos o mesmo que ir à antiga Feira Popular. O Dj não diz “mais uma volta mais uma viagem” mas faz publicidade ao restaurante do Sr. Peppe com menus a 10 euros e saladas do melhor que há, fala da exposição de arte que vai inaugurar na próxima semana e chega a comentar o rabo das bailarinas, bem jeitoso por sinal, que se abanam com um vestido branco transparente em duas plataformas elevadas.

Às vezes também saca dos laralálá, dos tum tum tum ou papapa para acompanhar o ritmo da música e combater o seu total desconhecimento da letra. Eu que venho de uma terra em que o volume da música nas discotecas quase que faz as minhas pernas moverem-se sozinhas não me consigo habituar a isto. Música baixa com tanto mas tanto parlapiê à mistura que apetece chegar ao pé do DJ e dizer: “Cala-te já por amor da santinha que eu vim aqui para dançar e já me dói a cabeça de te ouvir. Já agora, se não te importares, eleva o volume de modo a que não consiga ouvir como se estivesse numa esplanada os meus compinchas de bailarico”.

Posto isto, devo ainda referir a paixão dos italianos por ancas. Pode haver um corredor de cinco metros de largura para os senhores espaçosos passarem mas eles escolhem sempre a opção elevar as mãos à Mamma Mia e agarrar, num gesto firme e decidido, as ancas das meninas ao mesmo tempo que empurram todo o seu corpo ligeiramente para o lado e se roçam para abrir caminho.

As discotecas são giras, sim senhora. De destacar o Central Park, aqui em Florença, com três pistas – numa das quais não pus os pezinhos porque era só para VIPS – ao ar livre e música razoável tendo em conta que estamos em Itália e eles ouvem esta pérola que abaixo vos apresento.

P.s - Prestem especial atenção a partir do minuto 1.53

domingo, 22 de maio de 2011

Fui ao paraíso e voltei

O fim-de-semana passado estive aqui. Água límpida e quente, vinhas, casas catitas e uma vista de cortar a respiração. Deveria ser obrigatório visitar as Cinque Terre uma vez na vida. Apontem na agenda: Monterrosso, Vernazza, Riomaggiore, Corniglia e Manarola.

O sítio onde até no cemitério apetece viver...
Ao pé deste cemitério, não me importava de ter uma casa.





quarta-feira, 11 de maio de 2011

Um de nós vai morrer, resta saber se eu ou o berbequim

Há dias que é assim. O berbequim, a rebarbadora, os martelos - e sabe Deus que mais ferramentas - começam a funcionar impreterivelmente às oito da manhã. Como o meu tecto é de madeira sempre que os senhores malvados tentam furar o chão a sensação que tenho é que me estão a abrir a cabeça.

Não consigo falar ao telemóvel, concentrar-me e às vezes tenho de gritar para que me oiçam dentro de casa. Tenho de lavar a loiça duas vezes porque os meus móveis estão cheios de pó e não são raras as ocasiões em que me caiem pedras e areias oriundas do tecto em cima da tola.

Para completar o ramalhete, o senhor obreiro canta e muito e mal e em italiano. Ora escada acima, ora escada abaixo, ora escada acima, ora escada abaixo. E eu a desejar que ele caia, parta um dentinho que é para a próxima se lembrar que às oito da matina não se dá música aos vizinhos.

Hoje acordei decidida a ir lá cima. Raios me partam, aqueles senhores pintalgados de pó e tinta até podem ter autorização para começar a tal hora da madrugada mas tinha de ser logo à bruta? Logo com a broca mais barulhenta da caixa?

Têm razão senhores, há muito tempo que a minha vida decorria de forma mais ou menos tranquila. Passam trinta minutos das nove da manhã e a sensação que tenho é que o meu cérebro está a funcionar há 12 horas sem parar.

terça-feira, 10 de maio de 2011

Como um homem e um creme podem fazer faísca

Viemos os dois com um escaldão de Barcelona. Ah, bora lá só ali à praia apanhar um solzinho que sabe tão bem na moleira, daí a estarmos esparramados ao sol a bater a soneca foram 5 segundos. Daí a ele tirar a camisola porque tinha calor, outros cinco. Resultado: vermelhinhos que nem tomates que é para a próxima termos juízo.

Hoje, enquanto andava de tronco nu em casa com o peito a fazer lembrar entrecosto cru de tão vermelho e magro, perguntei-lhe: “Já meteste creme aí? Estás tão chamuscado que vais perder pele de certeza…” "Já, pus ontem depois do banho”.

Incrédula com tal desenvoltura, voltei a questionar: “De qual? Do Dove que comprei no outro dia no supermercado?” “Não, daquele de pele de pêssego cor-de-rosa que já tinhas há muito tempo, assim acaba-se com aquela embalagem”.

Continuava sem perceber: “Hum, mas não está aí mais nenhum creme para o corpo, mostra-me lá”. Confiante, levantou-se da mesa meio zangado - com todas as certezas do mundo - e esfregou-me a embalagem cor-de-rosa na cara: “Foi este, vês? Ardeu-me foi muito a pôr.”

Pois claro que ardeu. Não me lembro de um dia algum especialista ter dito que desmaquilhante era bom para hidratar escaldões.

sexta-feira, 6 de maio de 2011

É que não me faltava mais nada...

Há três meses atrás falava castelhano fluentemente mas isso parece que foi há muito, muito, tempo. Agora confundo tudo. Não sei já o que é português, italiano ou espanhol e a minha cabeça está feita num molho de brócolos.

Estou em Barcelona e não é que toda a gente me pergunta se sou italiana? Pudera, digo os “c” como se fossem “ch”, “va benne” em vez de “vale” e prefiro frequentemente o “due” ao “dos”. Boa Sofia, é esse o caminho. Desaprende uma língua que é falada por todo o mundo para te tornares fluente nesse nicho importantíssimo que é o italiano, requisito obrigatório exigido pelo mais humilde empregador.

Eu vou atinar, olarilas se vou. Começa já amanhã a revisão do presente dos verbos em castelhano e italiano. Vai ser o exercício de “descubra as diferenças” mais fofinho da minha vida.

Ah, para completar o quadro, hoje dei por mim sem saber conjugar, em português, o futuro do verbo compreender e a escrever “vere” ao mesmo tempo que pensava: “Isto está aqui qualquer coisa a mais, só não sei o quê...”

terça-feira, 3 de maio de 2011

Feios, porcos e maus

Este texto vai parecer ressabiado mas não é. Estou há três meses em Itália, desde a primeira semana que penso o mesmo, só não o disse alto porque podia mudar de ideias e já não haver volta a dar.

Os italianos desiludiram-me, esperava um povo à medida dos espanhóis. Simpático, aberto, acolhedor, e saiu-me uma argamassa que nem os senhores da construção civil quereriam usar.

Têm má cara, respondem torto à pergunta mais inocente, passam à frente nas filas e parecem sempre zangados com a vida (se trabalharem num estabelecimento público, a dose é a quadruplicar). Dão encontrões e cargas de ombro na rua como se nada fosse (sem pedir perdão ou sequer olhar para o alvo que acabaram de abater), são troca-tintas e passam a perna sempre que podem. Ah, já me esquecia, os senhores fazem xixi contra as paredes, repito, os senhores, não o bêbado ou o pedinte.

O que é feito do dolce fare niente, descontraído e encantador que tanto me venderam? Começo a ressacar por pessoas simpáticas e carinhosas. Só para verem, quando o senhor do café onde vou todos os dias me sorri e diz bom dia, sinto-me a Monica Belluci aqui do bairro.

Estou a generalizar, claro. Assim de repente, quase que me consigo lembrar de umas dez alminhas simpáticas. Dizem que é coisa do Norte, que para o Sul o sol volta a brilhar nestes seres e as pessoas são dotadas de uma simpatia nunca antes vista. Vou lá em Junho, espero ver para depois crer.

Até lá, só me vem à cabeça dizer isto: os italianos são "patos chocos" (sei que deviam ser patas), pouco cívicos e donos de uma antipatia que nunca reconheci noutro povo. Agora vou-me deitar, não vá algum apanhar-me na curva e adensar a canelada que a senhora que ia hoje ao meu lado no autocarro me deu enquanto, desengonçada, tentava sair levando tudo atrás.