quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

A saga do apartamento

A história que aqui vou contar poderia ser uma ficção trágico cómica. Mas é verdade e melhor, segundo soube há cerca de dez minutos, o final poderá ser mais emocionante do que o esperado.

Quando cheguei a Florença, a prioridade foi arranjar um apartamento que não me obrigasse a ir todos os Domingos pedir à porta da igreja. Por aqui, quem aluga casa através de uma agência é obrigado a pagar-lhe um mês de renda. Achei ridículo, disse logo que de mim “aqueles chulos” não levariam um tusto. Passou-se o primeiro dia e nada de anúncios nas janelas, nada de papéis a dizer ‘Aluga-se’ com letras garrafais nas cantinas e universidades. O saldo depois de 9 horas a andar para trás e para a frente foi um quarto de 20 m2 completamente vazio onde, a um canto, havia um estrado com um colchão. Se ali ficasse iria ter todos os dias o ar de abandono do cão da Scotex.

Bastaram 24 horas para perceber logo que sem agência não me safava. Armada em espevita, assinei contrato com uma empresa que não me levava um mês de renda mas à qual teria de pagar 190 euros apenas para me darem os números de telefone de alguns senhorios, com os quais me caberia estabelecer contacto. Fiquei azul quando, depois de ter passado o meu cartãozinho amarelo na máquina que tira euros, percebi que tinham apenas quatro opções dentro das minhas exigências cujos dados couberam numa folha do meu bloco A6.
Fazer com que compreendessem o meu italiano arranhado foi outra aventura mas feitos os penosos telefonemas, consegui UMA casa para ir ver. Toma lá que é para não seres esperta, 190 euros para o lixo e nem casa nem dinheiro. Mas tive sorte (ou azar), foi à primeira.

Quando entrei no número 18 da Via Fiesolana, a poucas ruas do Duomo, era quase noite e a luz baixa que iluminava o monolocal com cerca de 15 m2 fez com que quase tudo (se esquecermos o cheiro) me parecesse perfeito: um rés-do-chão no Bairro Alto aqui do sítio com móveis gigantes para os meus vestidos e sapatos, um sofá cama, cozinha e casa de banho. Básico. Amor à primeira vista.

Ainda tentei a piadinha de pedir um desconto ao senhorio. Levei um não redondo e o pré-aviso: “E só entra na casa depois de me pagar o primeiro mês e dar 1100 euros de depósito”. Foram dois dias para conseguir levantar tanto dinheiro que o multibanco aqui não é tão amigo como em Portugal. Mais 48 horas num hostel com um dono maníaco por arrumações que nos fazia levantar todos os dias antes das 10 para limpar tudo de fio a pavio.

E agora que já apresentei a trama, vou tentar ser mais breve. Quando entrei na casa que, a luz baixa, me pareceu maravilhosa cheirava a sujo, a podre e a mofo. Havia gordura por todo o lado, o sofá cama estava partido e atirou-me ao chão na primeira tentativa de me deitar. A máquina de lavar não funcionava e a casa de banho estava tão sebosa que a única solução era ir ao café quando precisava de uma sanita.

Para conseguir dormir, meti as luvas e limpei o sofá na primeira noite. Tentei tocar no mínimo que conseguia e dormir sem pausas até ao dia seguinte. O dia em que a D. Antonella chegaria para limpar tudo depois de eu ter insistido com o senhorio ser impossível viver numa casa tutta sporca (adoro a palavra).

Primeiro fez um ar enojado e depois deitou mãos à obra. A D. Antonella revelou-se uma mulher de armas. Deixou os móveis da cozinha, a sanita e o polibã, que pensei nunca mais perderem o tom amarelado, a brilhar. Ainda ligou ao meu senhorio a dizer que era impossível alguém viver numa casa assim, que não se fazia tal coisa a estrangeiros. Quando ele lhe perguntou quanto tempo levava a terminar - porque 6 horas já começava a ser tempo a mais - respondeu-lhe: “Se não estivesse aqui a falar consigo, já teria terminado”.

Depois dessa longa jornada, em que para despachar a coisa tentei limpar o que me parecia mais fácil - candeeiros, janelas e mesa da cozinha -, a casa estava finalmente quase pronta. Só faltava o senhorio vir no Domingo para comprar um sofá e televisão novos, arranjar a máquina e assinarmos o contrato.

O resto da semana foi passado a tornar quatro paredes inóspitas num ninho acolhedor. Panelas, tupperwares, fruteira, tapetes, edredão, copos, talheres, flores. E digo-vos, ficou linda a minha casa. Quando o Gino e a Kátia cá entraram e nos convidaram para irmos até ao IKEA escolher com eles o que faltava, fiquei em êxtase. Só tinha que esperar que ela lesse o contrato e que um jovem, que queria alugar a casa em Setembro, visse o espaço para irmos às compras.

E foi depois disto, depois daquilo que se chama ter um galo do caraças, que o meu sonho caiu como jogo de dominó. Estava já de caneta na mão para assinar a papelada quando o Gino, um homem grande que desde o primeiro minuto me fez lembrar o Tarzan, entra aos pulos dentro da casa que eu tinha tratado como um filho a dizer que já não ia haver contrato nenhum. A dizer que o jovem que tinha vindo ver a casa com a avó queria comprá-la e nós seríamos obrigados a sair até ao fim do mês.

Assisti a tudo. Fiquei sentada no sofá ainda partido a ouvir o contrato de compra e venda entre os meus pseudo senhorios e aquela velha gaiteira (desculpem a expressão mas era mesmo). Passou-lhes um cheque de 50 mil euros e o restante seria dado no acto da escritura. Senti-me uma mãe de acolhimento. Que tratou, mimou, poliu, e perdeu tudo exactamente por isso.

Ainda não me recompus do choque porque a cena pareceu-me de filme. É claro que nos três dias que passaram já comecei a ver casas. Quando finalmente encontrei uma, tocou o meu telemóvel. A minha senhoria. “Sofia, afinal podem ficar até ao final de Abril. Não vos arranjo nada mas cobro-vos metade do preço”. O negócio tinha atrasado.

À primeira, a proposta pareceu-me tentadora mas depois de ter dormido mais uma noite sobre ripas partidas e a dor de costas começar a roçar o insuportável decidi que a casa que acolhi como minha terá de deixar de o ser.

Pelo menos é o que penso agora. Sabe-se se lá se o meu telefone não vai tocar daqui a um minuto e o negócio da venda insólita nunca se chega a concretizar. E se isso acontecer, fico ou não com a casa? Seja como for, estou a fazer figas para que tudo corra mal.

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